Cada vez mais comum nos callcenters, vício de linguagem gera insegurança nos clientes
Os scripts de telemarketing chegaram às empresas brasileiras adaptados dos já existentes nos Estados Unidos. No inglês, o tempo verbal no gerúndio é utilizado com mais freqüência que no português. Na adaptação para o Brasil houve uma tradução literal, sem mudança do tempo verbal. E o gerúndio, na forma e freqüência que é utilizado no telemarketing, não é adequado para o português brasileiro. Aqui, esse tempo verbal é utilizado quando queremos falar sobre uma ação contínua futura que ocorre concomitante a outra. Por exemplo: "Minha família irá para o Rio de Janeiro na sexta à noite. Eu estarei indo para o litoral de SP"
Com o telemarketing o "gerundismo" instituiu-se como sendo um padrão mais educado de passar as informações para o cliente. Os operadores sentem que transmitem uma linguagem mais formal e mais culta. Errado! O uso do tempo verbal no gerúndio em excesso não transmite objetividade, nem tão pouco prontidão no atendimento. Passa, sim, a sensação sempre de uma ação futura distante, gerando a insegurança no cliente sobre quando será feito. Certa vez ouvi na empresa "Eu vou estar tentando estar pesquisando" O cliente pensará imediatamente: "Quando? Vai realmente fazer?".
E o pior é que o uso se faz tão instituído como adequado, que o vemos disseminado até fora do telemarketing. Entre jovens, principalmente, em seu esforço de buscar uma comunicação que pareça mais correta. Na escrita, já encontro excessos desse tempo verbal também.
O telemarketing tem como uma das preocupações principais a redução do TMA. Mas não investe na redução do gerundismo, estratégia importante para tornar a linguagem mais objetiva. Certa vez, monitorando uma operadora que "estourava" seu TMA, cronometrei uma explicação dada por ela a um cliente. Contamos, pelo menos, 10 ocorrências de gerúndio inadequado. No feedback reformulamos as frases e o tempo reduziu em 25 segundos. A rapidez no atendimento pode ser melhorada com redução do uso do gerúndio, não necessariamente falando mais rápido. Várias são as estratégias para eliminar esse gerúndio: transcrever os atendimentos e reescrevê-los com tempos verbais no presente, leituras de textos específicos, entre outros.
Além dessas e outras estratégias, é importante mostrar ao operador que o falar natural é muito mais importante do que tentar rebuscar a fala, deixá-la formal, principalmente usando erradamente algo que não faz parte da nossa Língua Portuguesa.
Livre-se do Gerúndio -
Comecemos pelo significado da palavra “gerúndio”. Se procurarmos as definições nas gramáticas em uso encontraremos, geralmente, a seguinte explicação: “Gerúndio é uma das formas nominais do verbo que apresenta o processo verbal em curso e que desempenha a função de adjetivo ou advérbio”.
Ele apresenta-se de duas formas. A simples (Ex.: Chegando a hora da largada, a luz verde acendeu.) e a composta (Ex.: Tendo chegado ao fim da corrida, o carro foi recolhido ao boxe.)
O gerúndio expressa uma ação que está em curso ou que ocorre simultaneamente ou, ainda, que remete a uma ideia de progressão. Sua forma nominal é derivada do radical do verbo acrescida da vogal temática e da desinência -ndo. Exemplos: comendo; partindo.
Veja, a seguir, o uso do gerúndio na prática:
E a lama desceu pelo morro, destruindo tudo que encontrava pela frente.
Depois de vários dias chuvosos o sol despontou, alegrando o coração de todos.
Rindo, ele se lembrava com saudades dos dias felizes que tivera.
Abrindo o laptop, começou a escrever.
Com tanta malhação, José está mudando o seu corpo.
Os jornais andam falando que aquele político não presta.
“Caminhando sozinho aquela noite pela praia deserta, fiz algumas reflexões sobre a morte.” (Erico Verissimo, Solo de Clarineta, p. 12.)
Como vimos nos exemplos, o gerúndio pode ser empregado de diferentes maneiras em nossa língua sem que tenhamos praticado nenhuma heresia.
Já com o gerundismo é outra história. Nesse caso, trata-se do uso inadequado do gerúndio. Um vício de linguagem que se alastrou de modo tão corriqueiro e insistente que até já virou piada.
Então, se você usa expressões como: “Vou estar pesquisando seu caso.” “Vou estar completando sua ligação”.
Mude imediatamente sua fala para: “Vou pesquisar seu caso.” “Vou completar sua ligação.” Note que, nos dois casos, você passa a usar somente duas formas verbais (“vou” + “pesquisar” ou “vou” + “completar”) no lugar de três. Além disso, a ideia temporal a ser transmitida é a de futuro e não de presente em curso.
O gerundismo, portanto, é uma mania que peca pelo excesso, pela inadequação do verbo, que ocorre ao transformarmos, desnecessariamente, um verbo conjugado em um gerúndio. Vamos explicar melhor retornando ao exemplo já citado:
“Vou completar sua ligação.” (Construção correta = mais sintética e indica futuro.)
“Vou estar completando sua ligação.” (Construção errada, gerúndio desnecessário.)
Mas fique atento! Em algumas construções, quando a frase indica um processo com certa duração que ainda vai acontecer, não é errado dizer:
“Amanhã, enquanto você passeia, eu vou estar estudando o que é gerundismo. E, se deus quiser, aprenderei alguma coisa.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário